6 de janeiro de 2016

O que NÃO deve dizer a um doente crónico

Quem sofre de uma doença crónica, e neste caso, de FM, sabe bem como é difícil gerir o dia a dia. Os dias são sempre diferentes, e por muito que eu brinque com a situação, dizendo que assim não há monotonia, certo é que tenho dias em que me sinto perdida no meio das dores, do cansaço, do sono, ou da falta dele...isto só para abreviar! 

Não que eu tenha necessidade de me justificar seja a quem for, mas se eu própria tenho dificuldade em entender esta nova situação (e de ME entender também), calculo que não seja fácil ser entendido por quem nos rodeia. Sobretudo quando "temos tão bom ar"...

Doenças invisíveis não se detectam quando olhamos para alguém pois não afectam a aparência, mas afecta o funcionamento do corpo, a vários níveis. Todos os dias. E para o resto da vida.

Eu até entendo que não seja por mal que as pessoas digam determinadas coisas, quanto mais não seja porque sentem que "devem" dizer alguma coisa. Estamos habituados a que, quando alguém está doente, esse doente melhore. O mesmo não acontece com uma doença crónica e isso é das coisas mais difíceis de aceitar (por quem sofre) e de entender (por quem acompanha).

Eis então uma lista de coisas que NUNCA se deve dizer a um doente crónico:
  
- Não pareces doente!

Nem todas as doenças têm de ter sinais exteriores. O facto de um doente crónico (tentar) levar a sua vida o mais normal possível, não significa que esteja bem. Significa que se recusa a entregar-se à doença e tenta viver com ela o melhor que pode. 

- És demasiado nova para estares sempre doente!

Se eu soubesse isso antes, teria mostrado o meu bilhete de identidade à FM, podia ser que ela se recusasse a entrar! Agora a sério, quando dizem isto, até parece que foi uma coisa que nos apeteceu ter. Não há idade para nada. A doença aparece quando tem que aparecer e ser-se jovem, não significa que o corpo esteja imune a todas as maleitas. Quando alguém diz isto a um doente crónico, ainda o faz sentir culpado por estar doente, como se já não bastasse todas as sensações e sentimentos com que tem de lidar no quotidiano. 


- Toda a gente se cansa!

Verdade. Mas a maior parte das pessoas que está cansada por falta de sono, consegue recuperar depois de dormir umas horas. O que não acontece com quem tem FM. Uma saída com amigos, por exemplo, pode ser sinónimo de passar uma semana quase de cama para recuperar. É um cansaço sentido a um nível que mesmo que o tem, não o consegue explicar. Eu, assumo, não consigo! Como explicar que nos sentimos exaustos só por estarmos 15, 20 ou 30 minutos à mesa? Como fazer entender que temos que nos deitar depois de um banho? Quem está no mesmo barco, sabe que não é nada fácil gerir as tarefas mais básicas, de forma a equilibrar a energia despendida e poder chegar ao fim do dia, com um mínimo de sopro de vida.

- Todos temos dias maus!

Acredito que quem diz isso, tem o intuito de nos fazer sentir melhor. Acreditem, NÃO FAZ! Ouvido do lado da cá parece que estão a relativizar tudo o que sentimos. Tendo em conta o esforço que fazemos diariamente para sair da cama, sair minimamente arranjada e tentar levar uma vida aparentemente normal, quando ouvimos isso, o que sentimos é um desencorajamento total.

- Deve saber bem ficar em casa!

Aff! Esta mata-me! Claro que sabe bem, quando temos saúde, de ficar um ou dois dias em casa, a ver tv ou a ler. Mas quando nos encontramos forçados a ficar em casa por não sermos capazes de ir trabalhar, mesmo que o quisessemos, a história muda de figura. Ninguém gosta de se sentir incapaz, ninguém gosta de se sentir inútil. Toda a gente gosta de se sentir independente e autónoma.

- Tens de fazer mais exercício!

Ahã! Tentem fazer exercício quando até o cabelo dói... Sabemos que o exercício é benéfico nas doenças crónicas, mas há dias em que simplesmente não dá. Eu tento caminhar todos os dias, se não for em modo exercício, é em modo de compras ou de voltas a dar. Tento sempre fazer o máximo de percurso a pé, mas confesso que tenho dias em que não me apetece sequer mexer. Nesses dias, tento fazer exercícios em casa, além dos alongamentos diários, para não me sentir presa. Mas cada pessoa tem o seu ritmo e a sua forma de reagir perante as situações. O importante é que seja respeitada.

- Tens que pensar positivo!

Todos sabemos a importância do pensamento no nosso dia a dia. Pensamentos negativos atraem situações negativas, pensamentos positivos atraem situações positivas. Certo! Mas é difícil pedir a alguém que sente dor até a escovar os dentes, para ter pensamento positivo, sobretudo porque tem que lidar com isso e tudo o mais, até ao fim da sua vida. Para mim, pensamento positivo, num dia bom, é poder aproveitá-lo o melhor que posso, pois sei que o dia seguinte pode ser diferente. Pensamento positivo num dia mau, é pensar que o dia de hoje também vai acabar, e que o dia seguinte, também pode ser diferente. Claro que  pensamento e atitude positivos ajudam muito numa doença crónica, mas infelizmente, não é a cura.

- Tens que reagir!

Sério?! Ouvindo isto, apetece-me atirar-me ao pescoço da pessoa que o disse. Até parece que alguém escolhe estar doente, e que gosta de estar doente?! Quem está do lado de lá, não faz ideia, da luta constante que enfrentamos diariamente e constantemente para tentarmos levar uma vida normal.   O que as pessoas não entendem, é que se ultrapassamos os nossos limites, repito, os "nossos" limites, pode significar, ir parar à cama.  Li algures que, pedir a alguém que tem doença crónica, para reagir, é o mesmo que dizer a um maratonista  que se esforce mais ainda no último quilómetro de corrida.

- Tens que ter paciência, vais melhorar!

Ok, acredito que quem diz isto, até tem boas intenções, mas para quem tem que aguentar uma doença crónica, PARA O RESTO DA VIDA, não é das coisas mais agradáveis de se ouvir. Pode melhorar sim, mas logo a seguir pode piorar. É assim, é crónico!

- Já tentaste...?

...acupunctura, dietas milagrosas, cristais da lua ou outra coisa qualquer? A não ser que venha de alguém que esteja a passar pelo mesmo ou que tenha credenciais clínicas, essas opiniões são desnecessárias. Até se saber a causa, tudo o que se possa fazer, será para aliviar os sintomas e não a causa. E cada um saberá o que é melhor para si. Não precisamos de palpites "sapientes". Eu recorro a aromaterapia, à reflexologia, à meditação, mas sou eu. Aceito que outras pessoas possam não sentir o mesmo alívio, mas cada um tem de fazer as suas próprias experiências e tirar as suas próprias conclusões.

- Isso é tudo da tua cabeça!

Felizmente não tive essa experiência, mas a maior parte dos doentes crónicos, sobretudo com FM, ouvem estes comentários dos seus técnicos de saúde. Mas tal como diz um dos terapeutas que me acompanha, "é-me indiferente se a dor vem da cabeça ou do braço ou da perna, se o doente diz que tem dores, o meu dever é aliviá-lo das dores." Até à data, senti-me sempre compreendida e apoiada por todos os técnicos que me acompanham, mas ouvir comentários destes de quem é suposto nos ajudar, é altamente desmotivante. E depois, como se não bastasse, continuar a ouvir isto "cá fora", é dose. Atenção, doença do sistema nervoso central, não é sinónimo de doença mental, deu para entender?

- Tens que sair mais de casa!

Claro que toda a gente gosta de uma mudança de rotina. mas se por um lado, pode ser uma coisas positiva, por outro lado, pode implicar uma mudança substancial nos movimentos e sobretudo de níveis de stress de um doente crónico. Por isso não vale a pena insistir com alguém para sair, pois só vai criar mais pressão sobre quem já tem tanto para se ocupar.

- Tomas demasiada medicação!

As opiniões quanto à medicação são bastante divergentes, mas tal como no que diz respeito a outros assuntos, a medicação tem de ser gerida pelo próprio doente. Eu experimentei várias drogas recomendadas e não me dei bem com nenhuma, mas pelo contrário, há muitas outras pessoas que toleram esse tipo de medicação. E se se sentem bem com ela, devem mantê-la. Quem tem doença crónica, tenta de tudo um pouco para se sentir aliviado dos seus sintomas. Seja com medicação convencional, seja com tratamentos alternativos, mas tal como já referi mais acima, cada um sabe de si. Do que ninguém precisa, é de opiniões reprovatórias, sobretudo quando vem de quem não tem a mínima noção do nosso dia a dia.



Agora que já sabem como nos sentimos quando ouvimos este tipo de comentários, talvez possam compreender um pouco melhor quem está ao vosso lado, seja companheira, amiga ou conhecida. A única coisa que se pede, é respeito pela dor do outro e compreensão e tolerância pelo que está a passar.
Mas lembrem-se, o melhor que podem dizer a alguém com doença crónica, é:

EU ACREDITO EM TI!