11 de abril de 2017

O medo

Quando se recebe o diagnóstico de Fibromialgia, é natural sentir o medo a invadir-nos. Palavras como "incurável", "crónico", "dor crónica" são usadas tantas vezes que é perfeitamente natural que o medo se instale e que os dias que temos pela frente não sejam de todo vistos com ânimo leve. Mas como em tudo na vida, é preciso pegar o boi pelos cornos (acho que é assim que se diz!)

Os meus sintomas começaram em 1992 quando tive febre reumática. Depois do surto estar controlado, ficaram as dores. Quando me queixava aos médicos que me foram assistindo, atribuíam as dores e mal-estar ao tempo, à humidade, à genética, aos astros...não interessava. Interessava era que os exames estavam todos bem e "toma lá uns anti-inflamatórios e vai tomando em S.O.S."!

Entretanto fui mãe e como a miúda tinha resolvido que a sua missão no mundo seria chorar, dia e noite, o sono foi ficando para trás. Ao fim de 2 anos, lá acalmou mas o sono nunca mais voltou. E quando em queixava à médica, dizia-me que isso era tudo normal nas mães de primeira viagem, quando a miúda crescesse, tudo entraria nos eixos. Certo....e isso seria quando? 1 semana, 1 mês, 1 ano, 10?...quanto???

Foi preciso ter mudado de país, de médica e depois de uma epicondilite que não queria regredir, que a médica (a nova) me perguntou como era o meu sono, que sintomas tinha e do nada disse-me que eu tinha Fibromialgia! "Deves"...pensei! Ainda por cima, eu tinha a (pouca) noção de que a Fibro estaria associada a pessoas depressivas e eu não sou nada dada a isso. Aliás a médica até disse que só não avançou com o diagnóstico mais cedo precisamente por eu ser uma pessoa sempre bem disposta e animada.

Como eu não concordava com o diagnóstico (eu e as minhas manias), ela à minha frente foi à net e leu-me os sintomas, mas como não podia confirmar, mandou-me para reumatologia e neurologia. O certo é que ela continuou a falar mas eu fiquei presa em algumas palavras "incurável", "dores constantes", "crónico". E o desconforto instalou-se.

DAR OU NÃO VOZ AO MEDO


Mas por outro lado (e foi aqui que me agarrei para me "animar"), o diagnóstico, fosse ele qual fosse, veio dar um sentido às queixas que eu tinha. Como se enfim, tudo fizesse sentido, e isso sim, foi um alívio.


Cheguei a casa e fui pesquisar tudo o que encontrei, aderi a grupos de apoio, decidida a dar luta à "bicha". Sentia medo. Mas tal como com os cães, não se pode mostrar medo e eu não iria baixar os braços. 

Comecei logo mal, porque no início tomei as drogas recomendadas e foi um periodo horrível. Quando questionava nos grupos se era mesmo assim, as respostas eram sempre desanimadoras....que iria ser sempre assim e que ainda iria piorar, e que a vida a partir de agora já não fazia sentido e que tudo tinha acabado. COMO? Eu não me via nada assim, era o que mais faltava. De um dia para o outro deixei de tomar o anti-depressivo (que supostamente me devia relaxar e supostamente me devia tirar as dores mas que efectivamente me deixava literalmente a vegetar). Não foi uma boa ideia porque andei quase uma semana de ressaca e isto só com 2 ou 3 semanas de drogas. Quase desejei voltar a tomá-las, mas não...não ia dar esse gostinho à "bicha".

E decidi que iria fazer tudo o que estivesse ao meu alcance para recuperar, ou pelo menos tentar levar a vida o mais leve possível. Não tinha nenhuma bola de cristal, mas estava decidida a dar luta.

Felizmente tive a sorte de ter bons terapeutas, sobretudo a minha terapeuta de psicomotricidade. Foi com ela que descobri a fazer relaxamento profundo, que descobri a meditação, que descobri alternativas. Com a fisioterapeuta descobri a aromaterapia e exercícios de relaxamento e de alongamentos. Com a reumatologista aprendi a fazer marcha nórdica. Por outro lado, com a médica assistente tinha receitas regulares de anti-depressivos e relaxantes musculares que eu deitava fora assim que saía do consultório, mas isso agora já não interessa nada!

Entretanto descobri a importância da relação alimentação/saúde. E desde então tenho tentado sempre melhorar, ajustando as coisas em função do que vou sentindo. Porque além da Fibro, também tenho uma doença auto-imune (Síndroma de Sjögren) e a coisa não é assim tão linear.

Mas acreditem que é possível ter uma vida normal com uma doença crónica e/ou auto-imune. Não se deixem abater por comentários derrotistas e sobretudo não deixem que ninguém vos diga que não podem fazer seja o que for. 

Mesmo com problemas crónicos, é possível ter vida e ter qualidade de vida, depende sempre da nossa atitude. Se decidirmos ter medo do desconhecido, e dar-lhe voz e importância, não saímos do sofá e entupimo-nos de drogas que nos deixam alienadas. É isso que se pretende desta vida? Deixar que os dias passem e não tiremos nenhum benefício de estarmos vivos? 

Atitude positiva é essencial. Claro que há sempre quem diga "ah e tal diz isso porque não tem uma dose muito intensa". Amigos, não há intensidades diferentes de Fibro, ou se tem, ou não! Depende da importância que lhe damos. Se tenho dores? Tenho...mas ficar todo o dia deitada porque tenho dores, não me alivia as dores. Quando tenho dores, é quando faço com maior concentração os meus exercícios de alongamento. Sim, também vão dizer "ah e tal, se tivesse muitas dores não se mexia!" Tá...e já experimentaram espreguiçar-se devagar? Só um cadinho? Pode doer mas só faz bem e a médio/longo prazo é a única solução. Porque garanto que ficar encarquilhada no sofá, não vai aliviar nada...mas isso já sou eu.

Sono. Sim também tenho noites mal dormidas. Mas ficar na cama a dar voltas e a lamentar a noite que não estou a dormir, já sei que não resulta. E também não resulta vir para as redes sociais dizer que tenho insónias, porque o sono continua a não aparecer. Ou então não sei fazê-lo como deve ser. Prefiro levantar-me, faço um chá, ligo a tv, se me apetecer, vou ler um livro e quando estou "aborrecida" volto para a cama e tento fazer alguns exercícios de relaxamento para adormecer. Resulta quase sempre, mas quando não resulta, não adianta descarregar no companheiro, nos filhos, porque além de não terem culpa nenhuma, não resolve nada. Esta noite pode ter sido má, pode ser que a próxima seja melhor...eu pelo menos acredito sempre que sim.

Cansaço, fadiga? Também tenho. Mas se estou cansada e estiver em casa, paro e descanso. Se não houver jantar, paciência. Quem estiver, que se desenrasque. Felizmente não me posso queixar de quem me rodeia porque também não dou hipótese. Mas de nada serve insistir em fazer as coisas quando a fadiga se instala porque (no meu caso) nunca dá bom resultado.

Não é porque estou sempre bem disposta que eu não tenho dores ou que não sinto as coisas. Simplesmente deixei de as valorizar e sempre que a vozinha da Fibro se quer fazer ouvir, eu viro-lhe as costas e reajo. Depende sempre de nós a forma como deixamos que a doença nos afecte. Mas ficar parada, a lamentar-me pelos cantos e entregar-me, não faz parte dos meus planos dos próximos 50 anos.

O medo é a pior coisa que nos pode acontecer se não lhe fizermos frente. Mas por outro lado, ainda bem que ele aparece porque só assim saimos da nossa concha, da nossa zona de conforto e arriscar e experimentar novas metodologias, novas terapias. 

Como diz aquela frase muito bonita da qual não conheço o autor "Se der medo, vai com medo mesmo!"

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